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![](Macauhoje -- 22-02-2006_files/society.jpg)
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Adelino Torres,
especialista em lusofonia e estudos sobre
terrorismo |
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“Nós e os muçulmanos
estamos no mesmo barco” |
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Carlos Picassinos -- |
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Autor do recente artigo “Terrorismo: o Apocalipse
da Razão?”, publicado em “Terrorismo coordenado por Adriano
Moreira”, o catedrático Adelino Torres esteve em Macau para
proferir uma palestra sobre a Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP) e a globalização. Nesta entrevista ao Hoje
Macau, defende a superação de complexos coloniais e a evolução
da CPLP para uma comunidade de povos em vez de Estados. O
catedrático indigna-se com a homologação indistinta dos
muçulmanos ao terrorismo, que hoje, diz, assume novas formas,
mais perigosas. Qual é a solução? Apoio público ao
desenvolvimento económico e social do Médio Oriente e aos
intelectuais árabes laicos. Onde é que lusofonia e terrorismo
se tocam? No desafio de superar complexos e ignorâncias, e
compreender o Outro.
Como é que estão as relações
dentro da CPLP?
Depende do ponto de vista. Do lado dos
governos, as relações são elegantes, fabulosas, são
miraculosas. Já do ponto de vista dos analistas é mais
prudente. Importa saber como é que se vai construir essa
comunidade que antes de ser de Estados deve ser de povos. É
que não é só uma comunidade dos Estados. Não pode ser só de
Estados! Não são apenas relações intergovernamentais. A
ligação é mais profunda, a outros níveis. São ligações
culturais, educacionais, sociais, económicas entre as
populações. Trata-se de um quadro cívico antes de ser um
quadro meramente político. E penso que os governos se têm
esquecido sistematicamente desta questão. Fazem muitos
regulamentos, muitas regras que servem para pouco. Tenho
alunos que são funcionários da CPLP e que estão sempre em
reuniões ou em viagens…
É um céptico?
Não sou
céptico mas sou crítico. Penso que a CPLP é uma boa ideia que
deve ser aprofundada, que deve ser tomada a sério. Se for
levada a sério, politicamente, será sempre muito importante
para todos os intervenientes. Mas são precisos resultados
concretos: já existe, por exemplo, alguma solidariedade de
grupo nas instituições internacionais que levam, por exemplo,
os PALOP e o Brasil a votar ao lado de Portugal.
Falou
de Macau na sua intervenção.
Bem, acho que Macau
poderia eventualmente vir a ser membro, se a CPLP fosse uma
comunidade de povos antes de ser uma comunidade de países.
Porque eu penso nos povos e nessa dimensão cultural. Que é
mais importante do que a dimensão oficial. Teria até cabimento
que o Governo da China encontrasse interesse em integrar Macau
nessa comunidade, na medida em que teria de ajudar à
divulgação do português, e mesmo do inglês, que não sou destes
nacionalistas bacocos. Modestamente, defendo o inglês porque
se Macau aposta no turismo como sector de futuro
desenvolvimento não o pode menosprezar. Não é que menospreze o
mandarim mas, numa cidade como Macau, de turismo, é essencial
que as pessoas também falem inglês.
Como língua
estratégica?
Sim, tal como o português. Aos olhos da
China, a CPLP seria uma porta de diálogos e de investimentos.
A cultura não fica só pendurada no espaço. Abre portas ao
investimento, ao conhecimento, etc.
Está a sugerir
associar a China aos esforços da CPLP através de
Macau?
Acho que a própria região tem interesse em
desenvolver estas suas vantagens competitivas e a sua ligação
à Europa, de um modo geral. Mas penso que a CPLP poderia
aproveitar esta mais valia de Macau tal como a das outras
comunidades de falantes em Malaca, ou em Goa, Damão e Diu onde
o português é muito considerado e onde há um capital de
simpatia que não é aproveitado.
Mas como é que essa
comunidade de falantes se pode traduzir no arranjo
institucional?
Por exemplo, na constituição de
associações lusófonas com o acordo dos governos. A Índia,
seguramente, estaria interessada porque isso significaria uma
porta aberta para o mundo.
Mas está a dizer que há um
autismo dos governos dos Estados da CPLP?
Sabe que
quando as elites são provincianas não têm grande sensibilidade
para estas questões. O problema é esse. São provincianas na
óptica oficial portuguesa. Mas não é de agora. Ficamos mesmo
admirados como é que Portugal, apesar de tudo, tem tantos
pontes em tanta parte do mundo. Não é devido às elites,
seguramente, mas às diásporas. Foram elas que construíram
essas pontes.
Não são também complexos coloniais que
impedem o sucesso da CPLP?
Sim, mas é humano. Levará
tempo mas vai passar. Importante é ultrapassar esses
sentimentos e ultrapassar essas reservas e complexos de
superioridade e inferioridade que ainda existem lá no cantinho
dos cérebros. Tem de se encarar esta comunidade em termos de
abertura ao mundo, de globalização, e não em termos de
nacionalismos. Passa, por exemplo, pela cabeça de alguém, na
ciência, falar de nacionalismo. Se a ciência me obriga a
ultrapasar essas fronteira, porque é que a cultura não. A
ciência é neutra…
… mas a cultura não!
A equação
da teoria da relatividade é universalmente válida, embora
certos integrismos a tentem negar. Mas quando as novas
tecnologia se encontram tão desenvolvidas, quando encurtam o
espaço e o tempo, devem também ser utilizadas como
instrumentos para conhecer o Outro. Porque o que está a
acontecer é, de facto, uma guerra de ignorâncias. Vivi cinco
anos num país árabe e fico indignado quando oiço que os
muçulmanos são todos terroristas. É imperiosa a aproximação ao
mundo muçulmano. E é imperioso que a Europa divulgue as obras
de pensadores, de vozes laicas, que são vozes de progresso
como as de Mohamed Chadli, por exemplo. É que não se pode
confundir muçulmanos com terroristas. Os islamitas são um
produto de religião e da política em que a política está ao
serviço da religião, o que, de resto, é contestado por muitos
muçulmanos. Mais cedo ou mais tarde terá que acontecer a
separação da religião e da política, da teologia e da
filosofia que permitirá o desenvolvimento da ciência. Esta
indistinção tem tido resultados terríveis, grandes
universidades como a de El-Azhar, no Cairo, por exemplo, têm
um papel extremamente na difusão de um espírito retrógado. Não
sou contra a religião mas tem o lugar que tem e a política não
pode ficar sufocada. O que falo aqui é da necessidade de
apoiar intelectuais que em muitos países árabes defendem o
valor do universalismo, da modernidade, do laicismo e do
racionalismo.
Mas em muitos Estados do Médio Oriente,
na Síria ou no Iraque, o regime era e é secular!
Mas
não basta ser laico, é preciso ser democrático. Ora, isto não
é um conflito de religiões. A questão é dez por cento
religiosa e noventa por cento política. Os regimes que não são
democráticos aproveitam-se do obscurantismo religioso para
fomentar conflitos. Estas manifestações que observámos não são
protagonizadas pelas populações, são pelos jovens do
lumpen-proletariado.
Recentemente, as Nações Unidas
tentaram estabelecer uma noção universal de terrorismo. E
falharam. Ninguém esteve de acordo. O que é que entende por
terrorismo?
Bem, é uma definição ambígua. No sentido
moderno, o integrismo muçulmano adquire uma dimensão mística.
Porque as Brigadas Bader Meinhof, na Alemanha, ou as Brigadas
Vermelhas, na Itália, ou o IRA ou a ETA não vão ao extremo da
política do nada. Não vão, como no caso do islamismo radical,
ao ponto do terrorista se suicidar em nome de um Além. O
terrorismo era criminoso mas havia limites. Quanto mais não
seja a sobrevivência do terrorista. Agora não.
Mas o
conceito de terrorismo não é manipulado segundo as
conveniências das estratégias políticas? É possível fixar um
conceito?
Eu não tenho um conceito definido. Remete
para todas as actividades marginais que matam inocentes,
indiscriminadamente. O que me preocupa nisto é esse terrorismo
não ter limites. Estamos hoje com uma espada em cima da
cabeça. Evidentemente, que tudo o que mata,
indiscriminadamente, é terrorismo. A diferença deste novo tipo
de terrorismo é que é particularmente perigoso e não está
ultrapassado, de modo nenhum.
E como é que se
combate?
Com modos mediatos e imediatos. Meios
militares só, não chegam. São necessários porque não há tempo
e temos que correr em todas as frentes mas não se pode
descurar a frente da justiça social, do desenvolvimento e da
democracia. Os governos do Médio Oriente afirmam-se, no poder,
através da religião e não desenvolvem económica nem
socialmente os seus países. E o que existe é uma burguesia
extremamente rica e uma população imensamente pobre. Isso com
certeza cria ressentimentos. Por isso importa apostar em dois
vectores fundamentais: na democracia e no desenvolvimento
económico e social de maneira a devolver a esperança e as
perspectivas a essas populações. Repare, não sou pacifista, no
sentido em que é evidente que nos temos que defender. Nós e os
muçulmanos, note bem. É que estamos todos no mesmo barco. Em
caso de conflito, são os povos do sul que mais vão sofrer
porque, apesar de tudo, europeus e americanos, têm mais
possibilidade de defesas do que os outros. Eu estou preocupado
com esses povos, com os muçulmanos desses países.
Politicamente, estão num beco! A solução obriga os governos a
desenvolverem a democracia nesses países. Porque o pretexto
para que não introduzam reformas democráticas agora é este: em
caso de eleições, os integristas ganhariam. Pois ganhavam
porque a população está revoltada e os governos não têm a
mínima capacidade para acudir às necessidades do seu povo.
Como é que dá a volta a isso?
Pressão mundial e
ajuda pública eficaz ao desenvolvimento. Conseguir que esses
países abandonem situações de sub-desenvolvimento. Mas não
podemos fazer nada mais do que isso. Terão de ser os árabes a
decidir o que fazer. Não podemos implantar a democracia a tiro
como pretendem fazer os Estados Unidos. Agora é importante
reconhecer que as instituições do Consenso de Washington têm
feito pouco. Não basta mandar muito dinheiro para esses países
sem qualquer tipo de controlo. Ajuda ao desenvolvimento não é
dar dinheiro, é obrigar a uma reestruturação institucional e à
reforma da redistribuição dos recursos. Durante anos, a Europa
e os Estados Unidos pactuaram com toda a espécie de tiranos
desde que defendessem os interesses americanos ou europeus .
Agora estamos a pagar essa factura. Quando falo em democracia
falo também em democratização em sentido cívico na Europa e
nos Estados Unidos. Ou seja, reformar de modo a assegurar uma
maior participação dos eleitores na vida das democracias. E
não estou a defender qualquer tipo de socialismo. Digo só que
defendo uma democracia mais cívica. Eu sou keynesiano. Keynes
não está morto. Está apenas
enterrado. |
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